a Heurística do estranho

Era maio de 2020, e eu tive um sonho em que eu, Harun Farocki e David Lynch
estávamos dispostos em triângulo, um de frente para o outro, em um quintal enorme e cheio de outros seres orgânicos e inorgânicos que coabitavam aquele espaço em plena madrugada.
O quintal era obscuro e parecia um tanto fantasmagórico, produzindo diferentes sons - barulhos de alguns insetos, o vento que movia as folhas de modo pesado - era uma temperatura amena, mas estava frio, o ar parecia quase apreensível com as mãos. Eu conversava com meus interlocutores sobre qualquer coisa enquanto tragava um cigarro.
Houve um momento de silêncio e algo simplesmente mostrou-se. Algo invisível, posso dizer indizível. Uma sensação de que a ordem das coisas havia escapado de seu eixo. Como se uma brecha tivesse sido aberta, e a dimensão empírica da existência tivesse sido infectada pela presença de uma realidade de dimensão e configuração espaço-tempo estranha ao padrão da experiência cotidiana. Em átimos de segundos, após essa sensação, nada tornou ao encaixe de antes. A sensação só foi expandindo-se, de modo que a estranheza de tal experiência me
possibilitasse relativizar uma perspectiva de dentro, desde fora (aquilo que não é conceitualizado, aquilo que foge ao padrão de cognoscibilidade da experiência cotidiana). Eu estava em estado de semi-vigília, e sentia que poderia perder essa experiência assim que acordasse. Muitos elementos do sonho, claro, não me lembro, mas o afeto despertado desde então é-me proficuamente redimensionado a cada nova experiência de rememoração.
hic et nunc

A pintura tem um tempo muito específico.
A gestualidade do ato de pintar faz-se no aqui e agora, a partir de um modo de ação que é movimentado por certa artificialidade desejante que busca comer modos de estilos, referências e práticas. Entendendo que o que interessa é a disponibilidade de sacar essas interferências e contabilizá-las em uma prática que se engendra de uma maneira própria.
Articulando, nesse caminho, um lugar próprio que vai se dizendo a partir da materialidade que se cria no ato. Nas incrementações e articulações de uma perspectiva que fica ENTRE um lugar consistente e inconsistente. ENTRE o clássico e o anticlássico. De maneira que o ato de pintar faz-se numa espécie de eternidade. No in progress da criação. No que a referência de um estilo é passado, mas presente como memória, e futuro como o que está por vir. Ou seja, o aqui e agora é o presente.
É a eternidade de um movimento cíclico que importa para a pintura.
O desenvolvimento da matéria e a articulação da mesma como lugar de simulações e questionamentos - hipóteses, ou seja, uma heurística que possibilita através da criação e criatividade pensar sobre o ENTRE em sua perspectiva maneirista, sua perspectiva de eternidade, de metamorfose e monstruosidade a partir da produção (de algo novo?).
A matéria sendo imanente sabe que o que movimenta a busca desse lugar terceiro é a especulação de uma transcendentalidade que não existe, mas se coloca como empuxo de movimento no que vem.
a busca

a busca pauta-se pelo feeling da e na plasticidade criativa da pura imanência do material e
os artifícios possíveis.
Excogitar modos que articulam a teoria e a experiência, ambas como plasticidade que possibilitam juntas a chegar a novos modos de entendimento, nomeadamente o pensamento
como dispositivo plástico que se incorpora à plasticidade da matéria
visual e
a visualidade material do plástico
incorporada aos conceitos do pensamento abstrato,
se interpenetram e se dissolvem mutuamente,
não interessando utilizar a comum associação simbólica de representação pela imagem mas certo estranhamento dos tensionamentos que ali
comparecem.

mas e a atmosfera? vem antes ou depois?
mas isso importa?